- 24/06/2020
Usados como curativos biológicos, minimizam a dor, os riscos de infecções e reduzem tempo de recuperação
Essencial na cicatrização de feridas de queimaduras, os curativos tratam as lesões e ajudam na restauração da pele. Ao longo dos anos, diversas técnicas vêm sendo estudadas, desenvolvidas e utilizadas, de modo a diminuir os riscos, a dor e o tempo de recuperação das vítimas. Dentre os avanços da ciência, os biomateriais têm sido sempre fonte de pesquisa para aplicabilidade clínica, principalmente a pele humana e a membrana amniótica, fontes de doação.
“Eles têm sido muito utilizados no mundo e apresentam bons resultados e segurança biológica”, destaca o presidente da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ) e cirurgião Plástico, José Adorno. No Brasil, apenas o uso de pele humana já está autorizado e faz parte de protocolos de tratamento de queimaduras e feridas.
A utilização da membrana amniótica está em trâmite para autorização do Conselho Federal de Medicina e, em seguida, constituição de uma câmara técnica do Ministério da Saúde para definir protocolos de captação e armazenamento. A movimentação para que isso aconteça está em fase final de análise.
PELE - Já em uso no Brasil, a pele humana funciona como um curativo biológico. Ela é utilizada em substituição aos tecidos carbonizados e mortos que foram retirados do paciente em razão da queimadura. A pele transplantada é aplicada como enxerto na zona lesionada e, depois de aproximadamente três semanas, ela se desintegra e o organismo se regenera sozinho.
A pele utilizada é proveniente de doação, assim como outros órgãos do corpo humano. Desta forma, os tecidos do tórax, abdômen, dorso, braços e coxas podem ser aproveitados. “É tudo feito com segurança, rigor técnico e rastreabilidade, sem riscos de transmissão de doença. É uma medida salvadora”, frisa José Adorno.
O material doado fica armazenado em bancos de pele, em substância chamada glicerol puro (glicerina a 99% de concentração) em refrigeradores (de 2 a 8 graus celcius) por até dois anos. Hoje, no Brasil, existem quatro bancos de pele e tecidos para atender todo o território e estão localizados em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, todos mantidos com recursos provenientes do Sistema Único de Saúde. Em breve, um novo deve ser inaugurado em Ribeirão Preto.
Desde 1997, a Lei nº 2.268 estabelece que o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) gerencie, em nível nacional, a captação e distribuição de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para finalidades terapêuticas. Porém, somente em 2009, com a publicação da Portaria 2.600 do Ministério da Saúde, começaram a se estabelecer normas específicas para o funcionamento dos Bancos de Pele.
O Brasil ainda enfrenta outra questão: o desconhecimento da possibilidade de doação de pele. “Nós já temos um bom índice de doadores de órgãos, precisamos explicar para a população que há possibilidade de doar pele também e que isso não vai desfigurar seu ente querido. É preciso deixar claro que são removidas lâminas muito finas da pele, de partes que ficam encobertas pela roupa”, frisa Adorno.
MEMBRANA - Apesar de comprovada eficácia e da utilização em alguns lugares no mundo, a membrana amniótica ainda não está autorizada para utilização no Brasil. Porém, em caráter humanitário e excepcional, foi utilizada em vítimas do incêndio da boate Kiss, no Rio Grande do Sul, no ano de 2013. O material foi doado por instituições da Argentina e Uruguai e ajudou a equipe de Porto Alegre a treinar habilidades e reconhece o potencial regenerativo e outras vantagens já descritas no mundo no uso deste material.
Um dos profissionais que atuaram neste trabalho, o cirurgião plástico Pablo Fagundes Pase explica que naquela época foi possível acumular experiência no uso da membrana. “Ela chegou até nós em duas formas: criopreservada e preservada em glicerol, como preservamos as peles humanas. Foi usada como cobertura única e como cobertura não aderente. O resultado é excelente”, conta o médico.
Para ele, a aprovação do uso seria um grande avanço. “A membrana é retirada na hora do parto cesário, para evitar contaminação no canal de parto. Quantas crianças não nascem em nossos hospitais, não é mesmo? A captação é mais fácil que a de pele, tem mais disponibilidade e é um curativo de baixo custo”, frisa Pablo Fagundes.
Segundo José Adorno, a membrana amniótica tem sido proposta como alternativa para tratamento de queimaduras, no mundo, desde o início do Século XX. No Brasil, há muitos anos têm sido direcionados esforços para sua aprovação. “Por ser alternativa barata, e fácil obtenção, pode auxiliar na escassez de pele humana para fins semelhantes e utiliza o mesmo processo de armazenamento dos bancos de pele já existentes no Brasil”, complementa o presidente da SBQ.
O médico elenca as vantagens do método: “baixo custo; grande disponibilidade; não está associado ao luto da perda, mas à felicidade do nascimento; usa a mesma estrutura dos bancos de pele atuais; tem forte poder reparador das feridas por queimaduras, evitando infecções, estímulos a fatores de crescimento locais que auxiliam a cicatrização, diminuir perdas de líquidos, proteínas dos tecidos queimados”.
Ele explica, ainda, que além de diminuir a dor no tratamento, facilita processos fisioterápicos de recuperação funcional dos pacientes. “Para países de baixo desenvolvimento e escassez de recursos, é método de grande impacto para tratamento das queimaduras”, finaliza.