- 11/04/2020
Os médicos que trabalham nos Centros de Tratamentos de Queimados (CTQs) de todo o Brasil têm identificado uma preocupante tendência de aumento de acidentes com queimaduras desde o dia 19 de março, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a venda do álcool líquido para a população, com o objetivo de combater o coronavírus (Covid 19).
Conforme o levantamento realizado pela Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ), de 19 de março até 9 de abril, foram identificados 96 casos de internações em 25 unidades de atendimento – o Brasil possui 65 - por causa do uso do álcool em gel ou líquido, além dos casos ambulatoriais, de menor complexidade. Dias após a liberação da Resolução pela Anvisa, em 25 de março, uma mulher morreu queimada, em Pernambuco, após passar álcool para se prevenir do coronavírus. A dona de casa era fumante e ascendeu um cigarro após passar o álcool pelo corpo.
Até o momento, foram 49 internações em São Paulo, 13 em Goiás, sete no Rio de Janeiro, sete em Pernambuco, quatro na Bahia, quatro no Espírito Santo, três internações no Piauí, três no Rio Grande do Sul, uma no Distrito Federal, uma em Sergipe, uma no Mato Grosso do Sul, uma em Minas Gerais, uma no Pará e uma no Rio Grande do Norte.
“A situação é alarmante. Alguns centros identificaram o dobro de internações de queimados em relação há uns 20 dias antes da norma da Anvisa. Tem gente passando álcool no corpo para combater o coronavírus e isso não se faz em nenhuma hipótese”, destacou o presidente da SBQ, José Adorno. A Sociedade segue monitorando a situação e alerta as autoridades competentes e a população.
Conforme explica o vice-presidente da SBQ, Marcos Barreto, também chefe do Centro de Tratamento de Queimados do Hospital da Restauração de Recife, o problema é que o álcool líquido se espalha com mais facilidade e toma grande extensão do corpo. “As lesões, geralmente, são de segundo e terceiro graus. E quando atinge tórax e face, ainda tem o agravante de inalar a chama e os resíduos de tecido queimado, levando à lesão respiratória”, esclarece. O índice de mortalidade por álcool líquido é bem maior que do álcool em gel.
Para que o álcool tenha ação de combate ao vírus, é necessário que a sua concentração esteja entre 60% e 80%. Ele tem sido indicado para limpar superfícies e higienizar as mãos. Mas os médicos afirmam que o uso pessoal deve ser feito somente quando não há água e sabão. Por isso, a orientação é evitar o uso dentro de casa.
Além disso, aumentar o número de pacientes com queimaduras nos hospitais neste momento de contingenciamento do atendimento às pessoas diagnosticadas com coronavírus vai na contramão da necessidade do momento. “E tem mais: se um paciente queimado contrai o coronavírus, o tratamento torna-se ainda mais difícil”, alerta Marcos Barreto.
Parceria com a organização Criança Segura
A SBQ assinou um posicionamento junto com a organização não governamental Criança Segura sobre a liberação da venda de álcool líquido 70% para a população, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 20 de março de 2020. A comercialização estava suspensa desde 2002. As organizações se posicionaram contrárias a resolução e solicitaram a revogação, para a preservação da vida das crianças e da população em geral.