YD Comunicação - 11/06/2021
Peculiaridades tornam o risco de morte e sequelas maiores nos pequenos. Prevenção é o caminho para evitar acidentes
Vulneráveis e mais frágeis, as crianças são vítimas em 30% dos acidentes com queimaduras. Para mudar essa realidade, só há um caminho: a prevenção. Para isso, campanhas educativas e afastar os fatores de risco dos pequenos são as saídas.
Em entrevista, o diretor científico da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ), Maurício José Lopes Pereima, fala sobre os principais riscos, prevenção, além de destacar as peculiaridades fisiológicas das crianças e como buscar atendimento em caso de não conseguir evitar o acidente.
SBQ - Quais situações são de maior alerta para queimaduras com crianças?
Em se tratando de crianças, podemos ter dois grandes grupos. O primeiro é daquelas de até 4 anos de idade, principalmente, vítimas de queimaduras por escaldaduras (líquidos aquecidos). Esse tipo de queimadura ocorre, geralmente, na cozinha, na presença dos pais ou responsáveis, quando a criança puxa uma toalha de mesa, quando bate em panelas com cabo para fora e também quando está engatinhando e coloca as mãos no forno aquecido.
SBQ – E com o segundo grupo, quais os riscos?
As crianças maiores são vítimas de acidentes com fogo e, dentre as causas, a mais prevalente são aquelas por álcool líquido. Ele é de fácil acesso, usado pela maioria das pessoas como produto de limpeza. Além disso, as crianças costumam pegar as garrafinhas para fazer fogueira em lixo, formigueiros. Em época de festa junina, também deve-se tomar muito cuidado, pois aumentam os acidentes com queimaduras por uso de álcool para fazer fogueiras. As crianças também têm tendência a imitar adultos e há acidentes com elas jogando álcool em churrasqueiras.
SBQ – Como os cuidadores podem promover a prevenção?
A prevenção só pode ser feita através de um processo educativo. Caberia ao poder público fazer campanhas e eliminar os fatores de risco, como proibir a venda de álcool líquido. Ocorre que o poder público não faz nem uma coisa nem outra. Não temos campanhas nas escolas, não temos nos conselhos municipais de saúde orientações que poderiam ser passados para agentes comunitários que visitam as casas e poderiam alertar sobre os riscos de queimaduras.
Então, entra em campo a SBQ, que faz as campanhas de esclarecimento à população justamente para preencher essa lacuna deixada pelo poder público. Entram em campo as sociedades de especialistas, as organizações não governamentais, que também fazem esse papel.
SBQ – As queimaduras em crianças podem causar mais agravamento que em adultos? Há risco maior de morte e complicações?
As queimaduras são potencialmente mais graves em criança do que em adultos. Ela está em constante processo de crescimento e desenvolvimento. Ambos os processos são interrompidos durante um grande queimado.
A criança tem suas particularidades. Por exemplo, ela tem pele mais fina que a de adulto, menos camadas de queratina, que é o que dá proteção na epiderme. Então, o mesmo agente térmico em contato com pele de adulto e de criança, com mesma temperatura e mesmo tempo de exposição, vai ter queimadura mais profunda na criança.
Outra coisa: a criança tem superfície corporal, em relação a sua idade, maior que o adulto. Para ter ideia, a cabeça de criança de até dois anos representa quase 18% da superfície corporal enquanto no adulto representa 9%. Se considerar que na criança o líquido cai sobre o tronco superior, a superfície corporal queimada vai ser muito mais exposta.
Em relação ao risco de morte, a criança desenvolve choque hipovolêmico pós queimadura mais rapidamente que adultos, porque a criança tem volume de sangue em relação ao peso menor que no adulto, então a perda de líquido é significativamente maior. A gente diz que toda criança menor de dois anos, com queimadura acima de 20% com lesão inalatória, tem 30% mais chance de morte que em adulto.
SBQ – Caso a criança venha a se queimar, qual procedimento adotar?
A primeira conduta é colocar a superfície queimada embaixo de água corrente ou em temperatura ambiente, nunca água gelada, por cerca de 30 a 40 minutos. Esse processo simples vai diminuir a sensação dolorosa e interromper o processo de evolução, impedindo, por exemplo, que uma queimadura de segundo grau evolua para uma de terceiro grau.
Após o resfriamento, deve ser colocada apenas uma toalha ou pano limpo sobre a superfície queimada, não passar nenhum produto farmacológico nem caseiro. Depois, levar a um atendimento médico e, se possível, já avisar à unidade que está levando uma criança queimada.
SBQ – Como podemos descrever a “pós-queimadura”? Como é o tratamento, as sequelas, as implicações desse acidente na vida da criança?
Após queimadura numa criança, por melhor que seja o tratamento, com todos os recursos técnicos e cirúrgicos, nunca ficará como era antes. Uma queimadura sempre produz sequelas, sejam elas funcionais, estéticas e/ou psicológicas.
O tratamento não se restringe só à fase aguda até ocorrer a repitalização da pele nas queimaduras de segundo grau ou enxertos na de terceiro grau. Após encerrado tratamento hospitalar, ela segue em tratamento ambulatorial por um longo período, fazendo uso de malha elásticas, tratando coceira nas cicatrizes e, a longo prazo, as sequelas funcionais que se desenvolvem.
Diferentemente de adultos, as crianças crescem, mas as cicatrizes não e, frequentemente, tem que se realizar cirurgias para restaurar os movimentos. Mesmo com tratamentos mais atuais, com todos recursos tecnológicos, sempre vão existir sequelas e o tratamento se estende por anos e anos, com fisioterapia, terapia ocupacional, reabilitação.