YD comunicação - 31/01/2024
A SBQ inicia uma série de matérias mensais para contar histórias como a da terapeuta ocupacional Ariane Lopes. Apaixonada por Carnaval, ela usa sua história de vida para ajudar pacientes vítimas de queimaduras
Quem tem cicatriz é porque tem história para contar! A afirmação foi ouvida pela terapeuta ocupacional Ariane Patrícia Fernandes ainda na fase de transição de criança para adolescência, período em que ela teve de aprender a lidar com as cicatrizes deixadas no corpo após um acidente na cozinha de casa quando tinha 6 anos de idade. A frase motivadora foi dita pela mãe e ela carrega para a vida, aplicando aos pacientes, por vezes, desanimados com todo o processo de tratamento de queimaduras.
“Eu era pequena, mas me lembro do acidente até hoje, do cheiro, da dor, da escova que passavam nas feridas no hospital na hora do banho, eu não gostava do banho”, relembra Ariane, contando ainda do período de seis meses em que ficou internada. “Eu via crianças entrando e saindo e eu me questionava porque elas saiam e eu ficava. Sempre me diziam que elas estavam melhores que eu e, por isso, recebiam alta. Só depois eu soube que, na verdade, muitas haviam morrido”, fala a terapeuta.
Ariana teve 80% do corpo queimado ao encostar no fogão onde a mãe fervia uma água, que acabou caindo sobre ela. Ainda pequena, vestia o colã do balé, que ficou grudado na pele. “Passei por cerca de sete cirurgias, precisei refazer meu órgão genital e era para ter feito mais cirurgias, mas eu me recusei, não aguentava mais”, destaca.
Da infância, ela lembra das restrições provocadas pelas marcas na pele: nada de sol e nada de calcinha. “O elástico poderia piorar o ferimento, então, usava fralda de pano e morria de vergonha de ir para a escola”, relembra. A saída era brincar à noite, com um colega que também havia sofrido queimadura após brincar com palha de aço e fogo.
Na adolescência, Ariane teve medo do preconceito e do olhar julgador das pessoas. “Mas minha mãe sempre me incentivou a vencer isso. Quando eu ficava com vergonha, ela falava pra mim assim: “você é capaz, você sempre deu conta das coisas mesmo pequena, então você vai”. Eu tinha vergonha de tudo e minha mãe me colocou na Associação de Moças Cristãs e eu fazia natação, balé, jazz”, destaca. Na época, ela ainda foi incentivada pela mãe a participar de um desfile em que precisava usar maiô, deixando a cicatriz e queloides à mostra.
Toda força recebida pela mãe, apoio que ela considera essencial, levou ela a estudar, casar, ter um filho e escolher ser feliz. E a alegria que transborda na terapeuta ocupacional que atua com vítimas de queimaduras é levada para as ruas de Belo Horizonte, onde desfila e toca nos carnavais mineiros. “Nasci em 15 de fevereiro, meu pai tem trios elétricos, está no sangue”, conta ela que toca repique, surdo, chequere e triângulo.
“No Carnaval a gente pode ser o que a gente é de verdade, sem medo, sem vergonha. Já saí de maiô, de barriga de fora, sem me importar se estou acima do peso ou com as cicatrizes que carrego”, alegra-se.
Trabalho – A experiência de vida de uma pessoa queimada fez de Ariane uma especialista no assunto e especialista em gente. Formada em terapia ocupacional há 28 anos, ela trabalha na unidade de queimados do Hospital João XXIII, em Minas Gerais, e sempre que vê alguém desanimado com o tratamento, conta logo sua história como forma de dizer: eu venci, você também vai vencer!
“Assim que comecei a trabalhar no CTQ, não falava muito da minha história. Acho que chega uma hora que a gente cansa de falar sobre. Mas um belo dia, peguei uma paciente que estava tão, mas tão resignada, tão triste, que eu tive coragem de falar para ela sobre o que tinha acontecido comigo. A partir desse momento, eu vi que o retorno do paciente, essa transferência foi muito boa, então quando eu vejo as pessoas menosprezando a situação que se encontram, que não vê luz no fim do túnel, eu chego com a luz da esperança e falo que tem luz no fim do túnel, a gente pode tudo”, conta Ariane.
Além do apoio psicológico, a profissional conta que foi atrás de referências em outros estados, estudou bastante e hoje é referência nacional em terapia ocupacional no tratamento a vítimas de queimaduras.
Caso você conheça uma vítima de queimadura com uma história linda para contar, entre em contato com a gente pelas redes sociais ou mande-nos um e-mail: ydcomunica@gmail.com.
Crédito para a foto de capa: Jane Linhares