Lyd Comunicação - 28/03/2024
Vítima de tentativa de feminicídio, ela teve 35% do corpo queimado. A busca por malha para si mesma garantiu o direito aos pacientes da Bahia
“A vida é um ciclo. Estou na etapa da superação”. É assim que se define hoje Adrielle Macedo, que há quase seis anos ficou com 35% do corpo com queimaduras de 3º grau, vítima de violência doméstica. “Hoje, sou exemplo de fé, força e coragem para pessoas que já passaram por situações semelhantes à minha”, diz.
Da época do incidente, ela não se lembra muito bem o que ocorreu logo após entrar embaixo do chuveiro, em chamas, e sair nua na rua pedindo socorro. Chegou desacordada ao hospital, levada por vizinhos. Mas de todo o processo que passou até aqui, ela sabe de cada detalhe. E celebra as conquistas.
“Quando eu olho para trás, vejo o quanto eu cresci, venci e venho vencendo, lembrando que nunca foi sozinha. Sempre contei com pessoas maravilhosas nessa jornada comigo”, comemora, destacando a atuação do Hospital Geral do Estado da Bahia, onde recebeu atendimento em Salvador, e o trabalho da psicóloga do Centro de Prevenção e Reabilitação de Deficiências de Salvador, a quem ela chama carinhosamente de Lu.
Para chegar à fase da superação, porém, foram muitos percalços, a começar pelo sétimo dia de internação, quando acordou na UTI, entubada, e se deu conta do que havia acontecido. “Por impulso, tentei tirar o tubo da boca. A equipe médica me acalmou e foi quando tive a dimensão da minha situação. Estava com o corpo todo coberto de curativo. Foi um choque de realidade!”, conta Adrielle.
No tratamento pós-queimadura, já foram 21 procedimentos realizados, entre eles, cirurgia, enxertia e retalhos, além do uso de matriz dérmica.
A ajuda psicológica foi e tem sido fundamental. “Após o acidente, não foi nada fácil lidar com minha nova realidade. Não aceitei o fato de estar com meu corpo todo modificado, deformado. Sentia uma dor que não passava, que nem eu mesma consigo descrever a sua intensidade. Era uma dor física e psicológica”, descreve.
Conquista – A força de Adrielle trouxe conquistas não só para ela, mas para muitas vítimas de queimaduras na Bahia. Foi por meio dela que o Centro de Prevenção e Reabilitação de Deficiências de Salvador (Cepred) passou a distribuir malha para todos os pacientes do Estado.
“Eu precisava da malha e não conseguia. Corri atrás de pessoas influentes do meu município, busquei autoridades políticas. Tudo sem sucesso. Recebi a orientação de buscar a Defensoria Pública, conheci um advogado que me ajudou e com as orientações do Dr. Marcus Barroso, demos início ao processo. Foram quase dois anos de luta, perseverança e lágrimas, mas com minha fé inabalável”, narra Adrielle. Para a surpresa dela, um dia chegou para atendimento no Cepred e descobriu que a conquista dela tinha beneficiado a muitas outras pessoas.
Adrielle ontem e hoje - Antes do ocorrido, Adrielle tinha uma vida estabilizada. Mãe solo, trabalhava com telemarketing e em um supermercado. “Morava em Salvador e minha filha, com a minha mãe em Simões Filho. Tinha uma vida que desejei. Sempre gostei de praia e tinha como o meu lazer preferido”, conta.
Este prazer, infelizmente, precisou ser deixado de lado. “Hoje já não é mais a mesma coisa. Os cuidados com a pele são redobrados. Não posso tomar banho de sol, não posso passar qualquer tipo de óleo nem protetor solar na pele. Ainda não consigo sair mostrando o meu tórax e as costas. Então, para mim, ainda é um desafio que eu busco enfrentar todos os dias”, descreve.
Apesar das lutas internas ainda, Adrielle se considera uma mulher madura, batalhadora e determinada. “Continuo sendo mãe solo, pude voltar a cuidar de minha filha. Quanto às cicatrizes, tenho a consciência de que foi preciso superar a vergonha, o medo de ser julgada pelos olhares de dó e discriminação, ir em busca dos meus objetivos e posso afirmar que tenho muito orgulho por superar todos essas etapas”, comemora.
O tempo ensinou a ela que nenhum sofrimento é eterno, ao ponto de tatuar na pele a frase: Tudo passa! Para outras mulheres, ela deixa um recado: “antes de tudo, se amem, se cuidem, sejam a sua prioridade. Lutem pelos seus direitos e se não souberem quais são, busquem ajuda. Sejam independentes emocionalmente e profissionalmente e nunca deem ao outro a autoridade que não é permitida sobre sua vida”.