Biênio 2021/2022 - Fala, Presidente! com José Adorno

YD Comunicação - 04/12/2020

O cirurgião plástico José Adorno cumprirá seu segundo mandato como presidente da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ). O médico conta os planos e os projetos para os próximos dois anos e sobre o intenso trabalho de prevenção das queimaduras. Sobre os Centros de Tratamentos de Queimados (CTQs) nos estados brasileiros, ele comenta sobre as carências e necessidades das regiões. 

Adorno fala, ainda, sobre os novos membros da diretoria, formada por especialistas multiprofissionais, com médicos, fisioterapeutas, professores e enfermeiros. O cirurgião ressalta a importância dos associados na SBQ e os projetos de fidelização para atrais novos sócios. Ele garante que mesmo online, o Congresso Brasileiro de Queimaduras será um grande encontro.

- Quais as propostas e projetos para os próximos dois anos de mandato?

Nos próximos dois anos nós vamos consolidar projetos de prevenção, de capacitação, de educação continuada e de integração da nossa rede de assistência de queimaduras.

Na área de prevenção, estender as ações para além da atuação primária, buscar apoio do legislativo, do Ministério da Saúde para que a gente possa atuar em outras frentes. Especialmente, fazendo a prevenção nas comunidades, com estratégia de Saúde da Família e Programa de Saúde nas Escolas

Também procurar a prevenção na indústria. Por exemplo, as distribuidoras de energia, em relação as queimaduras elétricas. Nós temos no Norte do país um grande número de queimaduras elétricas que devemos olhar com critério e prever uma ação específica, com a participação desse setor de produção e distribuição de energia.

Devemos retomar as negociações de parceria com a Petrobras, para falar da atenção com o combustível, que hoje está muito associado com as queimaduras por líquidos inflamáveis. E estreitar outras ações com a Anvisa na questão dos produtos que, por insegurança, podem piorar as queimaduras em crianças. A questão do álcool 70%, nós vamos continuar educando e cobrando da indústria mais responsabilidade em ofertar os seus produtos com mais segurança. Começamos um projeto junto ao Ibama, que é a prevenção de queimadura nos incêndios florestais, capacitando e treinando os brigadistas e voluntários que fazem esse trabalho árduo. Então, na prevenção, nós temos uma agenda grande.

Em relação aos Centro de Tratamento de Queimados (CTQs), vamos apoiar os que estão se estruturando. Nós temos projetos de Centro de Queimado para ser construído: no Acre, em Porto Velho, Tocantins e no Maranhão. Os centros de Maceió e de João Pessoa estão estruturando os serviços e buscando melhorias.

E outros lugares, Minas Gerais, por exemplo, estamos com a nova diretoria regional que tem como meta melhorar o atendimento da região. É um estado muito grande, com o grande número de municípios, e que de forma plena e sobrecarregada, tem o Hospital João XXIII como referência no estado. Assim como em outros estados, a Bahia precisa de cinco outros centros de queimados e só tem dois, que é o Hospital Geral do Estado e o Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus, no interior.

Precisamos de referências em Roraima e no Amapá. Tem muita coisa para ser feita, para a gente cuidar desse vazio sanitário que existe no Norte e facilitar o acesso das pessoas que são vítimas de queimadura nessas regiões. São regiões muito difíceis, inóspitas e de transporte difícil, mas tenho certeza que avançaremos nisso. Além de crescer a rede, nós temos que procurar disseminar e descentralizar o conhecimento. Entendemos que nem todos precisam de centro de queimados de alta complexidade, mas precisamos ter mais conhecimento de protocolo das queimaduras.

E vamos insistir na prevenção terciária, melhorando o atendimento e o acesso ao tratamento das queimaduras. Na linha de cuidados, instituir uma rede de assistência integrada em saúde regulada para atender pacientes dos mais diferentes níveis de números, desastres, acidentes ou múltiplas vítimas para que um centro possa dar apoio ao outro, além da sua responsabilidade territorial. Então, é um projeto grande, nesses dois anos vamos direcionar para essa linha de cuidado.

Também tem a questão da reabilitação, do atendimento ao pós-queimado - aquele que sai do centro de queimado depois do tratamento da fase aguda. Ele também precisa de atenção e de uma rede de reabilitação mais adequada. Hoje, nós temos muita dificuldade, os pacientes ainda não têm a garantia da continuidade desse cuidado em todos os centros, o que acaba resultando em sequelas.       

- Em 2021, o Congresso Brasileiro de Queimaduras (CBQ) será online. O que os inscritos podem esperar do encontro virtual?

Foi uma decisão que nós tomamos ao longo do tempo, de acordo com a evolução dos dados epidemiológicos. Vai ser um congresso recortado porque será online, vai ter uma adaptação grande, mas não vamos perder o tema: como medir nossos resultados e como analisar a qualidade dos nossos serviços.

Sem perder a importância do conteúdo, será mais confortável e vamos manter o nosso bom nível de convidados. Esperamos até que, como será online, a gente consiga profissionais do exterior. Então, será um congresso com muitas novidades, muita informação qualificada e profissionais experientes.

Sempre tivemos congressos muito bons. Sem dúvida não perderemos este perfil. Será um grande encontro.

- Na assembleia, o senhor destacou que a Revista Brasileira de Queimaduras subiu na avaliação, por que acha que isso aconteceu? 

A Revista Brasileira de Queimaduras tem um importante papel no cenário nacional. É a maior revista que agrupa esse conhecimento das queimaduras. É bastante acessada por profissionais e isso a quantifica como uma revista de excelência, com classificação B2. Os artigos têm ficado cada dia mais importantes e a periodicidade da revista também.

A RBQ é muito lida também fora do Brasil. O fato dela ser uma revista online e aberta, a torna de fácil acesso. As queimaduras têm nichos específicos de discussão e a RBQ tem esse papel de grande importância estratégica na disseminação do conhecimento e na troca de experiência com uma boa qualificação.

Naturalmente que nós pensamos, e vamos, investir para que tenhamos melhorias. Para que possa ser uma revista de excelência internacional necessita de investimento e nós já temos projeto para isso. Devemos deslanchar nestes próximos anos.

Neste ano, o corpo editorial fez um excelente trabalho, enfrentamos diversas dificuldades, inclusive na pandemia, nós conseguimos publicar três edições.

- O SIG Queimaduras teve um papel de destaque em 2020, terão mais encontros e temas importantes nas próximas edições? 

Pretendemos, em 2021, usar esse espaço para ampliar, por meio da Rede Universitária de Telemedicina (Rute), esse sistema de educação, dividido em equipe multiprofissional, temas médicos e temas que a própria SBQ pode destacar. É um espaço interessante, muito importante e que permite que todos tenham acessos a essas informações. As aulas são gravadas e colocadas à disposição no site da SBQ. Todos podem acessar.

Sócio da SBQ tem acesso continuamente, isso é para fortalecer os profissionais de queimadura e equipe multiprofissional e fazer com que se associem a SBQ e tenham esse benefício de ter um portal de referência para o conhecimento das queimaduras. O SIG Queimaduras mostra o quanto é importante esse tipo de ferramenta, esse deve ser o direcionamento das nossas atuações em relação a propagar e disseminar o conhecimento sobre as queimaduras.

- A liberação do álcool 70% gerou um aumento no número de queimados pelo país. Vendo a importância de alertar a população, a SBQ montou um estudo do perfil dos queimados e dos acidentes. Acredita que o estudo será importante para conscientizar a população na prevenção das queimaduras? 

Assim que houve a publicação da RDC 350, fomos alertados por outros parceiros, que são as Organizações Não Governamentais (ONGs), que estão sempre olhando essa questão das queimaduras. A liberação serviu de um grande alerta. A presença do álcool nos domicílios e a forma culturalmente como a população brasileira usa o álcool, especialmente nas residências, expõe a realidade do dia a dia para muitos acidentes graves. É um líquido inflamável que já evolui com mais profundidade, requerendo internação, na maioria das vezes, pelo tamanho da queimadura porque se espalha mais rápido.

Então, a exposição da população ao líquido inflamável acendeu um alerta. Nós reunimos, em grupos de WhatsApp, cerca de 35 centros de queimados, e passamos a monitorar para que relatassem, a cada dia ou semanalmente, o número de queimaduras, especificamente, por álcool. Medimos, até o início de outubro, e já haviam cerca de 700 pacientes queimados internados no Brasil. Esses são os internados, os mais graves, então teve uma parcela enorme de pacientes com queimaduras menores, que também são relevantes, só não motivaram a internação. Ainda, temos números que serão analisados futuramente, alguns centros relaram o aumento de até 25% nas suas casuísticas de internação. Então, nós estamos aguardando uma análise do Datasus, que deve acontecer nos próximos meses.

A medida fez com que alertássemos autoridades como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre os riscos colaterais dessa medida. Isso foi importante porque auxiliou os veículos de comunicação a aumentar a exposição em relação a prevenção das queimaduras por álcool e avisar que o produto não é a única forma de higienizar as mãos, avisaram sobre a importância de lavar as mãos com água e sabão.

Passamos a monitorar e alertar sobre o perigo de usar o álcool, nos posicionamos em relação aos novos produtos que estão sendo demandados pela indústria, como: álcool hidratante, spray, que também nos preocupa bastante. Estamos em contato com a Anvisa e alertando sobre isso, assim como, sobre a insegurança das embalagens de álcool, que não são bem sinalizadas como um item de altíssima periculosidade. O que as pessoas levam para dentro de casa é uma bomba, uma arma e isso pode motivar acidentes muito graves.

Essa conscientização tem que continuar. Temos que eliminar as queimaduras por álcool dentro dos domicílios. Devemos continuar insistindo nessa batalha para que a gente diminua esses acidentes, principalmente com crianças, que são mais vulneráveis e curiosas. Elas acabam seguindo uma atitude negligenciada do adulto, de usar o álcool para várias situações, como: acender churrasqueiras, lareiras, fogareiro e uma série de práticas habituais que tem consequências muito graves.

- O senhor teve uma avaliação positiva pelos associados da SBQ. O que o senhor espera destes próximos dois anos de mandato? 

Eu sou muito otimista com os próximos mandatos. Primeiro que estamos atraindo e colocamos na diretoria, pessoas novas na gestão e que têm o papel relevante nas queimaduras em suas regiões. Estamos tornando a diretoria mais multiprofissional, temos: fisioterapeuta, enfermeiro, médico, cirurgiões plásticos e pediátricos, muitos com função de professores universitários, o que é importante para que a gente incentive e cresça mais esse ambiente acadêmico de ensino e aprendizado dentro do centro de queimado. 

Mesmo com a pandemia, tivemos um crescimento relevante no número de associados, considerando a época de crise. Buscamos alternativas para ter atividades online e tivemos uma resposta boa dos associados.  Melhoramos o nosso índice de inadimplência e muitos estão quitando suas anuidades. Estamos com uma campanha contínua de aumentar os associados nas regionais e explicando por que é importante se associar e crescer essa base da SBQ.

A Sociedade tem esse propósito, a vocação, tem como meta e objetivo se tornar uma referência de conhecimento na área das queimaduras. Nós percebíamos que antes, nos eventos anteriores, as pessoas se inscreviam e se associavam, mas deixavam de seguir. Então, o que o associado busca? Eles buscam conhecimento, informação, atualização, capacitação e conhecimento novo. Nós sabemos que as equipes multiprofissionais buscam conhecimento sobre queimaduras e isso é fácil para quem já trabalha com isso. Ou seja, temos que facilitar esse acesso. Então, esse é o propósito da SBQ e acho que ele está alcançando de maneira mais estruturante. A fidelização do associado está diretamente ligada à produção de conteúdo científico, de aprendizado e de capacitação. Esse tem que ser o nosso forte, ao lado disso, ações de intervenções e de influência na execução de políticas públicas.

Também é super importante que a gente apoie os estados e as regionais e a gente possa crescer como uma rede mais unida e de conhecimento mais protocolar.

Na diretoria tem nomes super importantes, como: Marcus Vinícius Barroso, da Bahia; a Raquel Pan, do Triângulo Mineiro; o Maurício Pereima, do Sul. Tem várias pessoas que estão contribuindo muito, mas que, de certa forma, já participavam da SBQ. Agora trouxemos para o centro, para que realmente possam somar e criar uma equipe integrada para crescermos em todos os aspectos e melhorar ou modificar a epidemiologia desse trauma que é tão negligenciado.

De tantas patologias que existem, é o que causa mais sofrimento ao ser humano. Veja que hoje, se falarmos da população internada, temos cerca de 5% de óbito, enquanto nos países desenvolvidos, os trabalhos relatam 3%. Então, estamos crescentemente melhorando o nosso atendimento, mas precisamos evitar que elas aconteçam. Talvez, o impacto de uma prevenção continua, bem feita, diminua a população que precisa de assistência às queimaduras que geralmente é um quadro grave.

São muitos sobreviventes das queimaduras de forma global, tanto das pequenas, que não precisam de internação, mas que geram sequelas, como das grandes queimaduras, que sobrevivem e continuam sendo pessoas com muitas especialidades em relação ao seu organismo, proteção da sua pele e outras deficiências.

Essa linha de cuidado precisa ser melhorada em todos os sentidos para que a gente continue cada dia mais progredindo nos resultados obtidos, tanto na nossa prevenção primária e secundária, que é a nível de evitar a queimadura, como mitigar o evento quando acontece e bem como melhorar cada dia mais o tratamento e possibilitar acesso às pessoas.

Nós ainda temos muitas sequelas de traumas negligenciados por falta de acesso, conhecimento ou por profissionais que não são estritamente capacitados para tratar queimaduras. A cirurgia plástica tem uma importância grande nisso, é o cirurgião plástico que trata dessas coberturas de reparação e das sequelas, mas a equipe multiprofissional de forma global.  A reabilitação do paciente queimado precisa de uma equipe multiprofissional muito eficiente, capacitada para que diminua o máximo possível as sequelas quando aconteça.

Então, esse é o propósito, acho que estamos fortalecendo essa equipe de queimaduras que, sem dúvida, não é só a diretoria. É toda a equipe multiprofissional para ser motivada a usar todos os seus recursos locais para que melhore, todas as suas influências regionais, para que a gente posso evoluir na linha de cuidados das queimaduras de forma global. 


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