- 31/10/2024
Com 64% do corpo queimado e oito meses de internação, ele precisou adiar sonhos
Há quem não acredite em propósito, missão, predestinação. Mas a história de Daniel Moraes poder vir a mudar a opinião de muita gente. Ele parece ter nascido para ajudar. Foi salvando uma família que ele sofreu queimaduras em 64% do seu corpo. E foi em razão deste acidente que ele segue sendo o herói de centenas de pessoas, principalmente, no Maranhão.
O ano era 2017. A vizinha da casa de sua família, onde Daniel passava férias em Caxias (MA), gritou por socorro. O gás de cozinha estava vazando. Ele conseguiu tirar a idosa do local, mas em seguida uma explosão queimou parte da casa e, também, do corpo do então professor da Universidade Estadual do Maranhão e mestrando da Universidade Federal do mesmo estado.
Foram oito meses de internação hospitalar, dois anos de tratamento, inclusive, com acompanhamento de saúde mental, e uma trajetória profissional e pessoal interrompida.
“Não pude mais dar aula, não conseguia concluir minha dissertação de mestrado, tampouco defender, por ter ficado acamado. Todos os meus planos de seguir na área acadêmica, de realizar o sonho de fazer doutorado, tinham sido interrompidos”, lembra Daniel, que à época também pensou que havia perdido a possibilidade de constituir uma família.
Daniel conta que, diariamente, pensava que não iria conseguir sobreviver. “Em muitos momentos, pedia a Deus para morrer ali mesmo, pois não aguentava mais a dor. Perdi meus movimentos e, após oito meses de internação, tudo o que eu desejava era não estar mais ali, sofrendo. Toda semana eu tinha que ir ao centro cirúrgico, ao menos duas vezes, e a anestesia geral tinha se tornado o meu único momento de alívio, uma forma de escapar da dor”, detalha.
Ainda hoje, Daniel precisa tomar alguns cuidados para conviver com as sequelas das queimaduras. A pele encontra-se sensível, com várias pigmentações, mas cicatrizada. Precisa fazer uso constante de cremes e de exercícios físicos, pois ainda há limitação ao dobrar as pernas.
Pouco antes do acidente, quando Daniel tinha 25 anos, graduado em Ciência da Computação, havia concluído um intercâmbio acadêmico na Maynooth University, na Irlanda, onde chegou a integrar o time de futebol da universidade.
"Eu sei o quanto é difícil enfrentar a dor, tanto física quanto emocional, e como pode parecer impossível seguir em frente. Houve momentos em que pensei que não aguentaria mais, mas o apoio da minha família, amigos e profissionais me ajudou a seguir adiante”
A virada – Passados dois anos de tratamento intensivo, Daniel conseguiu concluir o sonhado mestrado, mesmo ainda em tratamento ambulatorial. E transformou toda a dor em força de vontade para trabalhar para que outras vítimas de queimaduras não passassem por dificuldades que ele enfrentou.
Foi então que fundou, ao lado de duas amigas, a Associação Maranhense de Apoio a Sobreviventes a Queimaduras (Amasq), uma organização sem fins lucrativos criada com o objetivo de mobilizar o Estado do Maranhão para prevenção a queimaduras e prestar apoio a sobreviventes.
“Jamais eu teria me atentado e me dedicado aos sobreviventes de queimaduras se não tivesse me acidentado. A AMASQ representa, para mim, a confirmação de que minha vida foi preservada para ajudar outras pessoas”, destaca ele, que além de gerir a associação, é voluntário fazendo doações para a compra de malhas compressivas e cremes destinados aos sobreviventes assistidos pela associação.
Ele diz que, graças à experiência dele, foi possível identificar lacunas no atendimento e buscar soluções para os problemas enfrentados pelos sobreviventes. Entre as conquistas estão a criação de uma ala especializada para queimaduras no Hospital da Ilha, em São Luís, e a aprovação da lei que institui a Semana Estadual de Prevenção a Queimaduras no Maranhão.
Vida Nova - Sete anos após o acidente, 2024 tem sido de mais conquistas para Daniel. Sabe aquela amiga que o ajudou a fundar a Amasq e esteve com ele, dando apoio em todo o tratamento? Então, ela é a advogada Andréa de Lima Barbosa, com que se casou neste ano, contrariando o pensamento da época do acidente, quando achou que haviam acabado as chances de formar uma família.
“A mensagem que eu deixo para vítimas de queimaduras é: nunca desistam. Eu sei o quanto é difícil enfrentar a dor, tanto física quanto emocional, e como pode parecer impossível seguir em frente. Houve momentos em que pensei que não aguentaria mais, mas o apoio da minha família, amigos e profissionais me ajudou a seguir adiante”, afirma Daniel.
Ele ressalta que o caminho da recuperação é longo e cheio de desafios, mas também é uma oportunidade para recomeçar. “Busquem apoio, informem-se sobre os tratamentos e nunca tenham medo de pedir ajuda. Lutem pelos seus sonhos, assim como eu luto pelos meus. A vida pode se transformar de maneiras que nunca imaginamos, e, juntos, somos mais fortes”, finaliza.