- 26/08/2025
“O termo superação invisibiliza nossas questões (dos queimados), apaga as diversas dificuldades que encontramos no pós-alta, romantiza uma condição que de fato não tem nada de romântico”. A declaração é de alguém que há mais de 35 anos convive com a queimadura estampada na face e em diversas outras partes do corpo.
Aos 7 anos de idade, Suzana Batista de Sousa foi vítima de um agente muito comum entre nós: o álcool. Ela venceu o fogo, sobreviveu e aprendeu a ter de conviver com tudo que veio depois: olhares preconceituosos, dificuldades no mercado de trabalho e nas relações interpessoais e todo o desafio que é tratar queimaduras em um país que pouco avança nas políticas públicas voltadas às vítimas desse agravo que atinge milhares de pessoas anualmente no Brasil.
“Até hoje o Sistema Único de Saúde não disponibiliza malhas compressivas para os queimados (acessório que faz parte do tratamento), falta acompanhamento psicológico pós fase aguda, faltam cirurgiões plásticos especializados em queimados, falta chegar ao ambulatório de queimados os tratamentos estéticos que melhoram a qualidade das cicatrizes, principalmente para quem teve a face atingida”, elenca Suzana.
Como tudo aconteceu
O ano era 1989. Um vizinho de Suzana colocou álcool em um porco e riscou fósforo e um galão pegou fogo. “O homem jogou o recipiente na direção em que eu e outras crianças estávamos. Eu e uma prima fomos atingidas”, relembra.
Suzana Batista foi levada para o Hospital Regional de Planaltina e transferida para o Hospital Regional da Asa Norte, referência para tratamento de queimaduras, ambos em Brasília. Ela teve 60% do corpo queimado. Foram quase nove meses de internação, muitas cirurgias, sessões de fisioterapia e acompanhamento psicológico, tudo isso apenas na fase aguda.
Ela ficou com sequelas físicas e emocionais. “A fase pós internação talvez seja a mais delicada para uma criança que teve queimadura tão aparentes quanto a minha. Muitos momentos da vida foram ceifados já que as internações eram longas e recorrentes”, comenta.
Além das cicatrizes na face, braços, coxas e abdômen, ela amputou as orelhas e ficou com mobilidade reduzida devido ao encurtamento de tendão na mão direita.
“Fiquei alguns anos afastada da escola devido às longas internações, o retorno foi um dos períodos mais complexos da minha vida. Sofri inúmeras situações de preconceito na escola, na sociedade. As relações interpessoais também ficam comprometidas, já que as sequelas de queimaduras causam repulsa, não é algo bonito de se ver”, lamenta.
Suzana conta que o primeiro emprego veio somente aos 27 anos de idade. “Sou formada em Gestão Pública. Hoje sou empregada pública, realizei concurso público concorrendo a vaga para pessoa com deficiência. Sou considerada pessoa com deficiência devido à amputação de orelhas e da mobilidade reduzida da mão direita, caso contrário não seria”, observa.
Apesar de todas as dificuldades, Suzana diz que no que depende somente dela, leva uma vida “normal”, indo a programas culturais, academia e ao trabalho. “Outras questões ficam mesmo no limbo. Conviver com questões físicas, fora dos padrões de beleza em um país como o Brasil, em que mulheres sofrem diariamente pressões estéticas, não é difícil imaginar que para uma mulher que carrega sequelas de queimaduras, principalmente na face, está fadada a viver uma vida pela metade”, lamenta.
Ela finaliza dizendo que acha importante que se trabalhe a prevenção para evitar que mais pessoas passem pelo que ela passa, mas Suzana acredita que é preciso fazer mais por quem já é vítima de queimaduras.
“É pertinente que aborde os problemas que uma pessoa já queimada sofre no dia a dia, desde a morosidade no tratamento, as dificuldades da reinserção social, no ambiente escolar, da falta de acompanhamento psicológico aos queimados, visto que nem todos possuem condições financeiras para custear tal tratamento”, frisa.