SBQ busca incluir vítimas de queimaduras como pessoa com deficiência

- 21/09/2020

O objetivo é que eles tenham os benefícios previstos em lei

A Lei nº 13.146/2015 institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, destinado a assegurar e a promover os direitos, visando à inclusão social e de cidadania. Hoje, 21 de setembro, é comemorado, no Brasil, o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, data oficializada em 2005 pela Lei nº 11.133.

Conforme a Lei nº 13.146/15, a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. E por incrível que pareça, mesmo com toda dificuldade encarada por uma pessoa com queimaduras, a lei não se aplica a ela.

Ledi de Sousa Lima tem 47 anos e, aos 24, ela e o filho – na época com 2 anos – foram vítimas de queimaduras. Desde então, tudo mudou. Ledi lutou por dois anos até conseguir sua aposentadoria, mas na mesma época passou em um concurso público. “Tive muita sorte em passar no concurso, pois acredito que não teria independência financeira hoje em dia se não fosse isso. Mas fiz concurso como portadora de deficiência, por ter sofrido amputação da orelha direita e perda parcial da audição; perda parcial da mobilidade no pescoço e do braço esquerdo”, explica.

Atualmente, a preocupação de Ledi é com o filho, que está com 25 anos e ainda busca oportunidade no mercado de trabalho. “Meu filho nunca conseguiu emprego e a gente não sabe se é pela falta de experiência, de oportunidades ou pelas sequelas. Acaba sendo de tudo um pouco e as sequelas e cicatrizes fortes acabam se tornando um agravante. Ele é estudioso e esforçado, mas sinto que ele fica em desvantagem. Se ele fosse classificado como portador de deficiência, creio que teria mais chances”, comenta.

Essa é exatamente uma das bandeiras levantadas pela Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ): que o paciente queimado seja visto como portador de necessidade especial e tenha direito a todos os benefícios previstos em lei. O presidente da SBQ, José Adorno, se reuniu, em março deste ano, com o presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Prevenção de Queimaduras e Atenção Global ao Paciente Queimado, o deputado federal Roberto de Lucena (Podemos/SP), para tratar sobre o tema.

“O problema é que com a pandemia, os projetos do Congresso ficaram postergados, mas precisamos dar continuidade a isso. Há 15 dias entregamos um amplo projeto e estamos ansiosos para que seja analisado rapidamente e que possamos prosseguir, independentemente da pandemia. Enquanto isso, estamos trabalhando em diversas frentes para levar melhores condições ao paciente queimado”, informa José Adorno.  

Na época da reunião com a Frente Parlamentar, a ideia era de criar um projeto de lei em que se possa definir situações e critérios que enquadrem o queimado na condição de portador de deficiência. Assim, de acordo com José Adorno, será preciso criar uma equipe multidisciplinar para avaliar particularidades e excepcionalidades. “Alguns pacientes ficam com sequelas físicas de grande repercussão psicológica. Ou, devido à extensão e região anatômica da cicatriz, ele sofrerá discriminação e estigma, dificultando encontrar um emprego e readaptação biopsicossocial”, explica, justificando a inclusão do queimado à lei. 

SUPERAÇÃO – Alisson Paulo Lima, mais conhecido como Paulinho, teve uma reviravolta em sua vida há pouco mais de um ano. Em 7 de setembro de 2019, o barista, cozinheiro e músico teve 50% do corpo queimado ao combater um incêndio florestal perto da sua casa, no Lago Oeste, e tentar salvar um casal de idosos que estava com a casa rodeada pelo fogo.



“Chamamos os bombeiros, mas ficamos com medo de não dar tempo, então eu, outro vizinho e um amigo fomos tentar tirá-los de lá. O fogo me cercou e me atingiu, fazendo com que o saltasse de uma montanha, caindo em um local de área em que o fogo já tinha passado. Caminhei uns 500 metros antes do socorro me resgatar, já sem roupa, sem cabelo, quase cego, sem respirar, mas não perdi a consciência. Eles me levaram para o Hospital Regional da Asa Norte, referência em queimaduras no DF”, lembra. O jovem passou por mais de 30 cirurgias e ficou dois meses internado.

Quem ouve Paulo contar a história, não acredita o quão positivo ele é. Ele agradece por já estar quase totalmente recuperado. “Eu tenho a cabeça muito boa, sou uma pessoa muito ativa e gosto de vencer desafios. Minha criação me ajudou a ser mentalmente forte e continuo fazendo de tudo para me colocar para cima. Cada um tem sua particularidade quando se queima, mas todo mundo perde autonomia, confiança, autoestima. E ter amparo familiar, de

especialistas e do Estado é fundamental para superar isso tudo”, ressalta.

Para Paulo, se tivessem a lei a favor deles, a situação seria melhor. Ele, como autônomo, não consegue ter a mesma renda que tinha antes do acidente. “Sou privilegiado por ter uma família estruturada, por ser de classe média, de ter conseguido comprar um carro automático. Mas muitos queimados não têm a mesma possibilidade. Então, a lei seria de grande valia, passaríamos por tudo isso com mais dignidade e ânimo”, destaca.

Mostrando que realmente gosta de encarar desafios, Paulo resolveu que precisava retomar sua rotina e abriu uma cafeteria com um amigo, na Asa Norte. Apesar de ainda ter algumas dificuldades com as mãos – perdeu as falanges distais dos dedos, ele mostra que é possível encarar a vida e está exercendo uma de suas profissões, a de barista.



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